27/02/11

Tenho saudades

Tenho saudades de ser criança. Tenho saudades de ser pequena e esquelética, o que me custou até hoje a alcunha de “esqueleto vaidoso”. Tenho saudades de ter medo do mar e ficar sozinha a fazer castelos de areia enquanto os outros se divertiam na água. Que saudades. Tenho saudades de quando o meu irmão vinha a minha casa para nos visitar e eu estava a dormir, e que embora a minha mãe lhe dissesse “João, não acordes a menina que ela está a dormir”, ele não se importava e rodeava a cama onde eu dormia até me acordar, para me dizer: “leite condensado, leite condensado” e lá saltava eu da cama para que ele fosse buscar a tão desejada lata de leite condensado com que partilhamos tantos sorrisos, risos e brincadeiras. Era feliz naquela altura. Tenho saudades das brincadeiras com o meu pai, das poucas a que tive direito, e do tempo que passava sem o ver, porque quando saia eu já não estava e quando entrava eu já dormia mas quando, nas folgas dele estávamos juntos e passávamos o dia juntos, eu sabia que valia a pena esperar. Tenho saudades de estar verdadeiramente doente e de ter a minha mãe todo o dia ao meu lado a cuidar de mim. Velhos e bons tempos. Tenho saudades da escola primária, de já ter aprendido as coisas em casa e perder uma manhã a olhar para o quadro e a pensar na origem de tudo, inclusive da minha própria origem, tenho saudades dos ditados, de trocar os “m” pelos “n” e vice-versa, tenho saudades de passar os dias a correr atrás de uma bola e de mal saber pegar numa raquete de badminton. Tenho saudades de ver os meus sobrinhos bebés e de ver a minha irmã graciosamente pegar neles e faze-los parar de chorar. Tenho saudades de andar de mão dada com ela, quando me levava a passear. Tenho inclusive saudades dos ciúmes que senti quando o meu primeiro (e único até agora) sobrinho nasceu e de pensar que já ninguém gostava de mim, porque iria perder uma das minhas maiores fontes de afecto. Enfim, tenho saudades de ser criança, quando ainda verdadeiramente o era, sinto falta de ser feliz e não ter tantos fantasmas dentro da minha cabeça. De ter medo e de ter afecto. Tenho saudades…
Tenho demasiado receio de viver
Pois carrego pesada a amargura
Anseio dolorosamente por desaparecer
No calor de uma noite escura

Conto cada hora, cada pequeno segundo
Olho para o negro céu que me ignora
Não querendo que abandone este mundo
Mas não fazendo passar aquela sofrida hora

A única coisa que tenho certeza
Que me vai acendendo a chama da razão
Simplesmente que não me falte a destreza
Nem me falte a força no coração

Observo os passivos ponteiros do relógio
Movendo-se lentamente aumentando a minha solidão
Fazendo aumentar este sentimento inglório
Que é o espelho desta minha desilusão

Tempo amargo que não passa
Sofrimento este que não me larga
Revelas cada minuto desta desgraça
Prolongado esta vida que me agarra.
Aquela passadeira ainda me assusta, ainda passo por ela com o peito carregado de dor e a face repleta de tristeza. Ainda saltitas triunfante por entre as minhas memórias, lembro-me como se fosse hoje de quando brincávamos no café da tua tia e de como eras bonita, aliás eras linda, eras, és e serás sempre. Lembro-me da angústia que senti quando soube o que te aconteceu, quando por um acaso desta amarga vida foste abalroada por um carro que te tirou a vida para desespero daqueles que sempre te amarão. Lembro-me, como se fosse hoje, como se estivesse tudo a acontecer de novo, de quando no teu funeral, a tua mãe, a enorme Jane me abraçou, foi o abraço mais sofrido que alguma vez recebi e dei e por culpa da minha imaturidade dos meus sofridos 14 anos de idade, na altura, não soube responder da maneira mais adequada, só com lágrimas e com a rosa que repleta de lágrimas deixei ao teu lado, quando pela ultima vez te vi antes de desceres á terra enquanto eu chorava amargamente. Hoje ao passar naquela passadeira, lembrei-me de ti, lembrei-me daquele medo que durante cerca de um ano me impediu de atravessar aquela passadeira, onde fatalmente foste apanhada pela amargura da vida, e da angústia que sempre que atravessar aquela passadeira vou sentir. Faz daqui a uns dias, 3 anos, naquele que vou para sempre considerar o pior ano da minha existência, naqueles meses que para mim serão os piores de sempre, onde tudo o que não queria que acontecesse, aconteceu, onde a depressão surgiu, onde a inocência se perdeu. Vou lembrar-te sempre, vais sempre passear alegremente nas minhas memórias. Até daqui a nada, encontramo-nos no paraíso.

22/02/11

Momento

A vida seria mais doce
Se fosse apenas um momento
Escondido no tortuoso vértice
Daquela dor que se esconde cá dentro

Preferia que fosse menos amarga
Com menores contradições
Não deixaria alguma marca
Nem atrairia desilusões

Tornaste-te naquela impetuosa chaga
Que carrego latejante no meu peito
Tornando-me cada dia mais fraca
E intolerante a qualquer amorável sentimento

Seria tudo muito mais fácil
Caminharia segura num doce mar de rosas
Poderia ser muito menos frágil
Á desilusão deste fio de prosas.

15/02/11

Vivo de cada pegada no chão
De cada grito numa noite escura
Sou o espelho da dor da desilusão
Desta amarga depressão que me procura

Grito por cada dia de escuridão
Por cada lágrima de amargura
Sofro tantas vezes com a ilusão
De já não sentir a minha vida pura

Encho o meu corpo de golpes
Tentando atenuar a dor que permanece
Enquanto espero que a dor não volte
Mas sei que não me esquece

Procuro uma luz que me indique o caminho
Da passagem a uma menos penosa fase
Mas a cada passo que dou, tropeço com o sarilho
Que me leva a um golpe numa outra parte

Viver sem sentido já se tornou numa máscara
Que atenua a dor mais dolorosa e cruel
Mas não consigo escrever a página da minha quimera
Ao sentir o amargo sabor do fel.

Deux Pieds Gauches

Descobri o que é soupless
A grandiosidade de um suave movimento artístico
Que me faria viver loucamente em trés grand vitesse
Ao som do ballet e do seu ruído característico

Mas o que com a dança aprendi
Ou desaprendi por ter nascido com dois pés esquerdos
Como dizem os meticulosos franceses, c’est la vie
Devo deixar de lado todos os meus medos

Dar um salto mortal e cair de cabeça
Dói muito mais do que me assusta
Traz aquilo que esta dança não deixa que me esqueça
Que por maior que seja a piruette, executa.

Andar em pontas é algo que me fascina
Ter um coup de pied perfeito
Rodopiar até sentir a adrenalina
Ao fazer saltar todo o sentimento do peito

Executar um arabesque sem cair
Girar num grandioso pivot
Dançar loucamente até o sentido deixar de existir
Terminando esta dança com um elaborado plie.

13/02/11

O melhor autor é aquele que não copia, que consegue ter a sua magia em cada vocábulo que arduamente se esforça para escrever, para aqueles que pensam que a escrita é fácil e que qualquer um consegue chegar e implantar uma escrita própria, desenganem-se meus caros, são poucos os que o conseguem fazer. Porque o melhor autor pode demorar dias até encontrar a palavra perfeita para terminar um poema ou para terminar uma frase. Esses autores inspiram-me, a mim que não passo duma mera sugadora de ideias. Existem dois tipos claros de copiadores: os parciais que copiam a ideia mas lhe tentam dar uma nova roupagem e modificar o fundamental da ideia, esses chamo-lhes copiadores soft e na minha opinião, estou incluída neste vasto grupo. Existe depois os completos, que copiam um texto de raiz, normalmente sem modificar possíveis brasileirismos que venham incluídos contudo existem aqueles que os corrigem, cortam partes e mudam palavras e assumem que o texto é seu, esses são os copiadores hardcore, e sinceramente metem-me nojo. Aprecio os que conseguem escrever sobre temas únicos, com palavras mágicas, não copiáveis e insubstituíveis, esses sim são autores, no verdadeiro sentido das palavras, aqueles que inspiram os copiadores soft e que são copiados e modificados pelos hardcore. Estes merecem respeito, os hardcore não merecem nada. Porque o melhor autor é aquele que consegue ser único.

De que vale?

De que me vale ser poeta
Se não consigo ser eu fora das palavras
Revelo muita coisa ao escrever numa língua indiscreta
Que revela aquelas histórias mal contadas

De que me vale sentir em demasia
Se não demonstro beleza em cada gesto
Nem com os mais doces vocábulos da poesia
Aqueles que tento guardar por perto

Não me vale de nada pensar demasiado
Ao tentar tornar-me numa sombra escura
Tentando viver a vida e esquecer o passado
Que me leva a não me sentir segura

De que me vale ser eu
Se não sou metade do que poderia ser
Tenho a dor de um passado que me escondeu
Vivo em busca duma força para renascer

Pelo menos vale me a pena crescer
Conhecer o mundo novo da poesia
Tentando nunca me perder
Nas pesadas melancolias de uma teoria.